MESA-REDONDA



Mulheres Filósofas
Desigualdade de gênero e violência contra a mulher



Dra. Daniela Bonassa


A mulher na legislação brasileira: banalização da sujeição, violência e omissão do Estado

Na legislação brasileira, a evolução dos direitos e o exercício da cidadania pelas mulheres  aconteceram de maneira gradual e muito lentamente. O que se constata ao longo dessa trajetória é a inferiorização e discriminação com  as quais a mulher foi tratada. À mulher cabiam as tarefas da casa e servir a seus maridos. Elas não precisavam estudar, trabalhar nem ser titulares de propriedades. Eram consideradas relativamente capazes e precisavam da autorização do marido para a maioria dos atos da vida civil. Tal tratamento perdurou por centenas de anos em nossa cultura e se tornou institucionalizado e legitimado pelo ordenamento jurídico. Em cem anos de constitucionalização, apenas a partir de 1988, quando nascia a constituição cidadã, a mulher passou formalmente a ser tratada com igualdade de direitos e deveres em relação ao homem. No entanto, a realidade social ainda exigiria muita evolução cultural para que os avanços legais obtidos se firmassem na prática. Tantos anos de sujeição e inferiorização da mulher, legitimados pelo ordenamento jurídico, permearam as práticas sociais banalizadas de violência contra ela, que precisaram ser discutidas quando uma mulher, desqualificada e desprotegida ao sofrer terríveis e repetidas violências por parte do seu companheiro, não encontrou amparo legal no Brasil ─ fato este que o levou à punição pela corte internacional. Parte dessa punição foi a criação de uma lei que protegesse as mulheres vítimas de violência doméstica ─ a lei Maria da Penha. E muitos anos se passaram desde o início das violências cometidas contra Maria da Penha até a implementação da referida lei, que nasceu em 2006, e se tornou uma das leis mais conhecidas da população brasileira. Diante disso, cabe perguntar: o que dizer quanto à violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres ainda hoje? Como isso se dá nas varas judiciais especializadas? Houve de fato uma evolução social dos direitos das mulheres? É possível afirmar que mulheres e homens são tratados isonomicamente na sociedade? A legislação nos permite independência? E a sociedade? Sem impedimentos sociais e legais, até onde a mulher pode chegar para exercer plenamente sua autonomia?

Daniela Bonassa é bacharela em Direito pelo Centro Universitário Filadélfia (UniFil); Pós-graduanda em Direito das Família e Sucessões pela LFG – Londrina. Foi advogada bolsista do projeto de extensão da Universidade Estadual de Londrina (UEL) NEDDIJ – “Núcleo de Estudos e defesa dos Direitos da Infância e Juventude”, foi advogada colaboradora do projeto de extensão da Universidade Estadual de Londrina (UEL) NUMAPE – “Núcleo Maria da Penha”. É atualmente advogada bolsista do projeto de extensão da Universidade Estadual de Londrina (UEL) “Inclusão social de sujeitos com uso abusivo de substâncias psicoativas”. Colaboradora do projeto de extensão “Inclusão social e reabilitação psicossocial de dependentes químicos”. Colaboradora do projeto de extensão “Orientação jurídica para a busca do acesso à justiça”. Colaboradora do projeto de ensino “Carreira jurídica in loco”, todos vinculados à UEL.

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Profa. Ms. Bruna Neves Pellegrini

Reflexões sobre o lugar reservado às mulheres na sociedade patriarcal e a resposta do Movimento Feminista



Pensar o tema “mulheres na filosofia”, ou, mais precisamente, sobre a ausência das “mulheres na filosofia”, exige que reflitamos sobre questões de gênero e de lugar reservado às mulheres na sociedade ─ um lugar considerado “segundo”, como sugere Beauvoir em sua icônica obra de dois volumes: O segundo sexo, de 1949. Um recuo no tempo nos permite observar que a história das mulheres é repleta de discriminação. É digno de nota que no século XVII ainda se discutia se as mulheres eram seres humanos como os homens ou se estavam mais próximas dos animais irracionais (PERROT, 2012). Ao longo do tempo, a mulher foi vista como um ser humano cuja finalidade era meramente a de servir ao sexo oposto. A ela cabia reproduzir, amamentar, criar seus filhos e servir ao homem. Ao ser direcionada apenas aos afazeres domésticos, a mulher foi excluída do mundo do pensamento e do conhecimento, tão valorizado pela civilização. No entanto, elas sempre lutaram por seus direitos ─ e o Movimento Feminista nos conta a história dessa luta. Uma luta que se deu pelo direito à educação, ao trabalho, ao voto, à autonomia pelo corpo e aos direitos à sexualidade. Com base nisso, pretendo expor brevemente a história das mulheres e do Movimento Feminista, a fim de esclarecer a submissão atribuída ao gênero feminino. Tecerei também algumas considerações acerca do feminismo contemporâneo que, ao vislumbrar uma sociedade mais justa e igualitária, reflete sobre gênero a partir de uma construção cultural. É por meio de uma desconstrução de conceitos machistas que o feminismo contemporâneo busca conquistar a igualdade entre os gêneros. E uma vez que tais aspectos têm ligação com nossa cultura patriarcal, tenciono ainda mostrar que as questões acima mencionadas estão relacionadas à escassez tanto de filósofas, quanto do estudo sobre filósofas. Para tanto, trarei para nosso debate, entre outros, o pensamento de Simone de Beauvoir, Michelle Perrot, Judith Butler, Paul B. Preciado, Teresa de Lauretis e Carla Cristina Garcia. 

Bruna Neves Pellegrini é jornalista, professora de Comunicação no curso de Jornalismo e Publicidade (UNIFAMMA); mestre em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina - UEL (2019); Pós-Graduada em Moda: Produto e Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina – UEL (2016). Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR (2013). Desenvolve pesquisas nas áreas de comunicação, representação, gênero, feminismo, corpo e sexualidade. 

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Fernanda C. S. da Rocha

"NÃO ME CALAREI" 

A subjetivação do gênero com viés biopsicossocial no tocante à mulher e à filosofia

Partindo do entendimento de que o ser humano é um ser biopsicossocial, isto é, um ser em que está presente um conjunto de fatores genéticos, psicológicos, comportamentais, sociais e culturais que, por sua vez, exerce influência sobre a condição e constituição do “eu”, busca-se abordar o processo de subjetivação das mulheres. Para tanto, cumpre ressaltar que as estruturas socioculturais ─ de evidente predominância patriarcal ─ influenciam de forma direta os conceitos de gênero e, consequentemente, da subjetivação do ser e, em especial, do que vem a ser ‘mulher’. Assim sendo, evidencia-se a naturalização de uma cultura machista oriunda da dominação masculina que, por seu turno, culmina na violência simbólica contra as mulheres, através da determinação e restrição de espaços e posições baseadas nos estereótipos de gênero. Nesse sentido, o espaço da graduação e da pesquisa, bem como da filosofia ao longo da história, nem sempre foi ocupado pelas mulheres, visto que a elas eram destinados exclusivamente os espaços domésticos e de cuidado. Dessa perspectiva, pretende-se discutir, pelo viés da clínica psicanalítica, a formação singular e subjetiva dos sujeitos, notadamente marcada pela cultura, bem como a importância de promover a conscientização da sociedade sobre o tema, tendo em vista a ocupação feminina nos espaços de fala, a erradicação da desigualdade de gênero e a desnaturalização da violência simbólica contra mulheres. O título: “Não me calarei” foi inspirado na Exposição “Nunca me Calarei”, do fotógrafo Marcio Freire, cujo objetivo é dar voz às mulheres vítimas de violência que, durante muito tempo, mantiveram-se caladas. 

Fernanda Cristina Severino da Rocha é Psicóloga (CRP 08/25699); pós-graduanda em Saúde Mental (FAVENI/SP); graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Ourinhos (UNIFIO). Atualmente trabalha como psicóloga no projeto de extensão Núcleo Maria da Penha - NUMAPE, vinculado à Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP/CJ. Psicóloga Clínica.